A emoção é como um pássaro,
quando se prende já não canta

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

É assim

Tela de Kris Lewis


Lembra suave toque no marfim
de um piano solitário, em gesto breve;
lantejoilas caindo no cetim,
folhas mortas rolando sobre a neve.

Lembra a nuvem silente no sem fim
do céu azul fugindo, branca e leve;
eco apagado, débil som, enfim,
que se erguer em suspiro não se atreve.

Sutil, despercebida como passa,
lembra o traço ligeiro de fumaça
que à paisagem se funde e ninguém vê.

É assim - imperceptível, mas cravada
dentro do coração, como uma espada –
a Saudade que eu tenho de Você. 

Graciette Salmon

Graciette Salmon

GRACIETTE SALMON

Graciette Salmon, poetisa autenticamente paranaense,


 é nascida em Curitiba. 
Recebeu várias homenagens e, inclusive, é nome de rua da cidade
. Infelizmente, longe de lugares freqüentados pelos literatos curitibanos,
 Graciette não recebeu a devida atenção e é pouco conhecida do público leitor.
Suas obras poéticas são em grande número e grandes em sua qualidade:

Graciette Salmon, sempre em busca de um amor puro e ideal,
 escreveu poemas de intenso lirismo
. A sua poesia demonstra certo fatalismo, 
como se retratasse um constante fracasso amoroso.
 Esse negativismo é uma das marcas da sua poesia.

DO BLOG DE JAYME FERREIRA BUENO -PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E ESTUDIOSO DA LITERATURA


A vida é uma vitrine

Tela de Kris Lewis
A Vida é uma vitrina de tecidos.
A gente, por instantes,
fica de olhos perdidos
na beleza das telas deslumbrantes.
Depois, entra na loja e vai comprar.
Caixeirinha gentil, a Ilusão
vem vender ao balcão
e não se cansa de mostrar,
não se cansa
de exibir delicados,
rendilhados,
leves panos de Sonho e de Esperança.
As mãos tocam de leve
na leveza das telas.
Não vá o gesto, por mais breve,
esgarçar uma delas!
Todas tão lindas! Mas a que fascina
não está ali na grande confusão
das peças espalhadas no balcão.
E a gente diz,
num ar feliz:
"Levo daquela rósea, muito fina,
exposta na vitrina."
Logo o Destino vem (da loja é o dono)
e fala sobranceiro, com entono:
"É artigo raro.
Marca, padrão e cor: - Felicidade.
É um artigo de alta qualidade
o mais caro
de todos os tecidos.
São cortes especiais...e estão vendidos!"
...................................................................
E a gente vai comprar do áspero pano
que se encontra na seção do Desengano.

Graciette Salmon

(poetisa paranaense)

Fragmento

Tela de Severin Nilson
"Creio que aqueles que mais entendem de felicidade
 são as borboletas e as bolhas de sabão...
Ver girar essas pequenas almas leves, loucas,
 graciosas e que se movem é o que,
de mim, arrancam lágrimas e canções.
Eu só poderia acreditar em um Deus que soubesse dançar.
E quando vi meu demônio, pareceu-me sério,
 grave, profundo, solene.
Era o espírito da gravidade. ele é que faz cair todas as coisas.
Não é com ira, mas com riso que se mata. Coragem!
Vamos matar o espírito da gravidade!
Eu aprendi a andar.
 Desde então, passei por mim a correr.
Eu aprendi a voar.
 Desde então, não quero que me empurrem para mudar de lugar.
Agora sou leve, agora vôo, agora vejo por baixo de mim mesmo,
agora um Deus dança em mim!

Nietzsche

Hora de refazer os nós

Tela de Severin Nilson
Quando a vida
é uma ruazinha
de lampiões apagados, 
uma esquina desbotada
bruxuleando na memória, 
uma ponte escorregadia
sobre um rio seco, 
é hora de refazer os nós. 

Quando no espelho
nosso olhar
é um cântaro
que não conhecemos, 
é hora de refazer os nós. 

Roseana Murray

domingo, 28 de agosto de 2011

Os ìpês


Floriram os ipês ali da praça
e, quando a gente passa,
-porque o vento as derruba em profusão –
vai esmagando flores pelo chão.

Como ciclópica oficina
pulsa, ao redor, a vida citadina.
Arranha-céus fugindo para o alto
numa arquitetura funcional;
automóveis rodando sobre o asfalto
e, de fundas angústias carregada,
a multidão correndo, alucinada,
vazia de Ideal.

Babélica, apressada,
toda essa gente não repara em nada:
não vê, em cima, a loira floração,
nem vê que pisa em flores pelo chão.

Os ipês se enfloraram, mas em vão . . .
Sua mensagem clara, colorida,
-um hino de louvor ao Belo e à Vida –
fica rolando, inútil, pelo chão,
fica, inútil, rolando pelo ar,
pois os homens não sabem mais sonhar.

Graciette Salmon

sábado, 27 de agosto de 2011

O vento....ventão

Tela de Severin Nilson
O vento ventão com voz de trovão
Acende um clarão de medo
No meu coração.
Será que já vem tempestade?
Será que vai inundar a cidade?
Mas que bom! Caiu só uma chuva
Fininha e o vento grosso se transformou
Numa brisa pequenininha.
O vento ventinho com voz de sininho
Faz um carinho no meu coração..

Roseana Murray

Essa lembrança que nos vem



Essa lembrança que nos vem às vezes...
folha súbita que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
...de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança...mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem!

Mário Quintana

Viver é um descuido

"Viver é um descuido prosseguido".
Sigo à risca. Me descuido e vou...
Quebro a cara. Quebro o coração.
Tropeço em mim. Me atolo nos cinco sentidos.
Viver não é perigoso? Então, com sua licença!
Não tenho medo. Nasci assim.
Encantada pela vida. O sertão é dentro da gente.
Ah, como não? Aqui tudo é achado.
Somos ferro e fogo. Perigo nunca falta!
Sertão é igual coração.
Se quiser, que venha armado! Tudo é igual.
Aqui se vive. Aqui se morre. Dentro e fora da gente.
Confusão demais em grande demasiado sossego ...".

Guimarães Rosa

Fragmento

Houve tempo em que o bosque, o rio e o matagal,
A terra e qualquer cena irrisória,
Pareciam-me na memória
Envoltos em luz celestial,
Qual sonho, frescor e glória.
Nada é como outrora –
Tudo que minha visão percebia,
Seja de noite, seja de dia,
As coisas que via, já não as vejo agora.


Wiliam Wordsworth

Fragmento

Tela de Guilherme de Faria

"Enriqueço na solidão:
 fico inteligente, graciosa
e não esta feia ressentida 
que me olha do fundo do espelho.
Ouço duzentas e noventa e nove vezes
 o mesmo disco,
lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento,
abro todos os portões e quando vejo
...a alegria está instalada em mim."

Lygia Fagundes Telles
in 

As Meninas 

Versos de circunstância

Tela de Robert Reid


Grava teu nome em troncos d'árvore 
que frondoso se tornará 
Mais vale o tronco do que o mármore 
pois nele o nome crescerá. 

Jean Cocteau

Desistir?

Tela de VIDAN
'Desistir?
Eu já pensei seriamente nisso,
mas nunca me levei realmente a sério.
É que tem mais chão nos meus olhos
do que cansaço nas minhas pernas,
mais esperança nos meus passos
do que tristeza nos meus ombros,
mais estrada no meu coração
do que medo na minha cabeça.'


Cora Coralina

Paixão pela poesia

Tela de Boldini

Me caso milhões de vezes dentro do poema
Neste fim de domingo, estou apaixonada pela poesia
de um jeito mais novo. 
Quero que os versos andem por aí,
removendo mágoas e transbordando 
alegrias pelos lugares. 
Faça chuva ou faça sol, amanhã me caso com um 
poema de amor ao mundo. 
Jamais poderia ter vindo sem a companhia dos
lirismo natural de todos os segundos....

Eurídice Pessoa

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Alongo-me



O rio nasce
toda a vida.
Dá-se 
ao mar a alma vivida.
A água amadurecida,
a face
ida.
O rio sempre renasce.
A morte é vida.


Guimarães Rosa

Maria Carente

Tela de Don Hatfield

Só mesmo aquela Maria carente
minha vizinha encalhada,
para dar corda ao almofadinha
aventureiro do olhar ardente,
pousado debaixo de sua janela
desafinando sua serenata.

Todo mundo sabe e se ressente
dos engodos do janotinha
de olho nos bens das donzelas.
Só mesmo aquela Maria carente
solteirona e assaz necessitada
acredita em sua balelas.

Receio que caia nas gracinhas
do seresteiro de tais esparrelas...
Mas, até mesmo a Maria carente
da cama vazia e cheiro de panelas
deseja viver seu conto de fadas
e ser feliz como toda gente.
*
Helena Frontini

Classificados poéticos III

Tela de Edward Cucuel
Colecionador de cheiros 
troca um cheiro de cidade por um cheiro de neblina
 um cheiro de gasolina por um cheiro de chuva fina 
um cheiro de cimento por um cheiro de orvalho no vento.

Roseana Murray

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Vento




Passaram os ventos de agosto, levando tudo.
As árvores humilhadas bateram, bateram com os ramos no chão.
Voaram telhados, voaram andaimes, voaram coisas imensas;
os ninhos que os homens não viram nos galhos,
e uma esperança que ninguém viu, num coração.

Passaram os ventos de agosto, terríveis, por dentro da noite.
Em todos os sonos pisou, quebrando-os, o seu tropel.
Mas, sobre a paisagem cansada da aventura excessiva -
sem forma e sem eco,
o sol encontrou as crianças procurando outra vez o vento
para soltarem papagaios de papel.

Cecília Meireles

Os dias da paixão

Tela de Susan Rios
“Sonhei hoje amores tristes e doces; 
outonais. Beijos distraídos, não contrariados. 
Televisões no poder sem contestação, 
cozinhas arrumadas a meias e em silêncio, 
policiais à espera na mesa-de-cabeceira. 
Orgasmos fáceis de corpos sem segredos; camaradas. 
Manhãs rápidas, lençóis limpos, atrasos risonhos já esquecidos.
O espelho não mente – estou desperto.
Adormeceram os dias da paixão.”

Júlio Machado Vaz
in
Domingos, sábados e outros dias

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Cozinhar

Tela de Meadow Gist

"Cozinhar não é serviço, meu neto, disse ela.
Cozinhar é um modo de amar os outros..."

Mia Couto
in
Fio de miçangas

domingo, 21 de agosto de 2011

Meio Dia

Tela de Hua Chen

Choque de claridades
Palmas paradas
Brilhos saltando nas pedras enxutas.
Batendo de chofre na luz
as andorinhas levam o sol na ponta das asas!

Ronald de Carvalho

Em que reino estivestes


"Pergunto-te em que reino estiveste de noite.
E  a resposta é: estive no reino do que é livre,
 respirei a magna solidão do escuro e debrucei-me
 à beira da lua.
 Noite alta fazia tal silêncio.
 Igual ao silêncio de um objeto pousado em cima de uma mesa:
 silêncio asséptico de "a coisa"
. Também existe grande silêncio no som de uma flauta:
 esta desenrola lonjuras de espaços ocos
 de negro silêncio até o fim do tempo."

Clarice Lispector

Bau de guardados




Trago, fechado no peito,
um baú de guardados.

Jóias, gemas e pérolas
que podem
ofuscar meus olhos.

Pedras, perdas, penas
que conseguem
represar meu rio.

Mas basta um som de flauta,
um dedilhar de piano,
o acorde de um violão,
o cristal de uma voz
e todas as comportas
se abrem
e me descobrem
levando de roldão
tudo que cabe
nesse cofre desvendado,
o coração.

Jóias, gemas, pérolas,
pedras, perdas, penas.
Brilhos que se confundem
no que sou.
Rolam nas águas e me levam
para perto, bem mais perto
de onde estou.

Alice Ruiz

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

É preciso amar o inútil

Tela de José Romero Redondo
Criar pombos sem pensar em comê-los,
plantar roseiras sem pensar em colher rosas,
escrever sem pensar em publicar,
fazer coisas assim, sem esperar nada em troca.
A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta,
mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida.
A música. Este céu que nem promete chuva.
Aquela estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha?
Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos,
nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha.
Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil.
Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza...

Lygia Fagundes Telles
in
Ciranda de Pedra

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mar e Vento

Mar e vento. É o que somos. Mar, com
profundidades abissais, com tormentas, e com a 
infinita inquietação prisioneira. Vento, com ânsia
e o destino da liberdade igualmente infinita.

Mar e vento não seriam completos, um sem o
outro. A realidade que na vasta natureza tanto
nos comove não é apenas o mar, ou o vento.

É o vento fundindo-se no mar. As ondas são
vento liquefeito, e o vôo do vento é uma medida
das solidões do mar.

Na vasta natureza, e na vastidão do que somos,
o que nasce desse encontro é a cantiga. O vento
e o mar fundindo-se numa queixa única, e infinita.

A cantiga é sempre queixa, e sempre queixa infinita.
Mesmo se fala de deslumbramento.

Tasso da Silveira


Agradecimento

Agradeço imensamente todos os gentis comentários
postados nesse blog...de coração para coração
Mariza

Frase

Tela de José Romero Redondo
"Deve existir algo extremamente 
sagrado no sal: está em nossas 
lágrimas e no mar."

Khalil Gibran

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Filosofia

A realidade é apenas
um milagre da nossa fantasia...


Transforma numa Eternidade
o teu rápido instante de alegria!
Ama, chora, sorri... e dormirás sem penas,
porque foi bela a tua realidade.

Ronald de Carvalho

Écloga tropical


Entre a chuva de ouro das carambolas
e o veludo polido das jabuticabas,
sobre o gramado morno,
onde voam borboletas e besouros,
sobre o gramado lustroso
onde pulam gafanhotos de asas verdes e vermelhas,

Salta uma ronda de crianças!
O ar é todo perfume,
perfume tépido de ervas, raízes e folhagens.

O ar cheira a mel de abelhas...

Ronald de Carvalho

Fragmento

Anoitece...
Tremula ainda, no poente, a luz de alguns clarões,
E, enquanto sobre o meu teu olhar adormece,
Entre o perfil sombrio e vago dos chorões,
Redonda, a lua calma e distante, aparece...

Ronald de Carvalho

Epigrama

Tela de Xi Pan

Enche o teu copo, bebe o teu vinho, 
enquanto a taça não cai das tuas mãos...


Há salteadores amáveis pelo teu caminho.
Repara como é doce o teu vizinho, 
repara como é suave o olhar do teu vizinho, 


e como são longas, discretas, as suas mãos...

Ronald de Carvalho

O olhar


Ele era um andarilho.
Ele tinha um olhar cheio de sol.
de águas
de árvores
de aves.
Ao passar pela Aldeia
Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos.
O silêncio honrava a sua vida.

Manoel de Barros

Deste lado de mim


Deste lado de mim parou o limo
E de outro lado uma andorinha benta.
Eu sou beato nesse passarinho.

Manoel da Barros

Delírio

Tela de Berthe Morisot

‎"No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona 
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos-
O verbo tem que pegar delírio."

Manoel de Barros

Deus disse:



Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.

Manoel de Barros

Soneto 116

Tela de Albert Lynch

De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça: amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera
Ou se vacila ao mínimo temor.

Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante
Cujo valor se ignora, lá na altura.

Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfanje não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,

Antes se afirma, para a eternidade.
Se isto é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.

William Shakespeare
Tradução de Bárbara Heliodora

A Árvore dos Poemas

Tela de Huan Chen
Quando a árvore dos poemas não dá poema,
Seus galhos se contorcem todos como mãos de enterrados vivos,
Os galhos desnudos, ressecos, sem o perdão de Deus!
E, depois, meu Deus, essa lenta procissão de almas retirantes...
De vez em quando uma tomba, exausta à beira do caminho
Porque ninguém lhe chega ao lábio o frescor de cântaro,
a doçura de fruto que poderia haver um poema
Maldita a geração sem poetas que deixa as almas seguirem
seguirem como animais em estúpida migração!
Quando a árvore dos poemas não dá poemas,
Qual será o destino das almas?

Mário Quintana


Meu jeito de olhar

A cor da argila no telhado
a agitação da folha na palmeira,
o som de uma pedra que
é atirada num pequeno lago.
Meu mundo tem poucos
endereços, mas a paisagem
é infinita e sempre muda,
dependendo do sol e da lua,
e do meu jeito de olhar
o interior do que chamo vida.


Alvaro Bastos


sábado, 13 de agosto de 2011

haikai

Tela de Garmash
Serena gaivota
no celeste azul do céu
voa, voa,e volta...

Mariza Alencastro

A dor e a saudade

Tela de George Dunlop Leslie-Roses

A dor e a saudade
são dois pássaros em voo
tentando
 alcançar o galho mais alto
 do esquecimento

Mariza Alencastro

Adeus


Aí está tua bagagem. Malas envelhecidas,
Antiquadas e cheias de pó das prateleiras.
Não me dei ao trabalho de limpar, como antes.
Dentro delas, teus poucos e parcos pertences
Que já não me interessam mais.

Numa delas coloquei as mentiras e falsidades
Junto às tuas juras de tantos encantos.
Em outra coloquei teu calor de estrela errante
Junto à paixão de efêmera voragem.
Na maior embalei o tempo que me enganastes
Junto ao sonhos que o descaso comeu.

As malas estão prontas. Boa viagem!

Helena Frontini



-Helena Frontini-

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Agosto



dê-me a neblina de agosto
e os ventos cortantes da invernada
a chuva que ameaça...a flor que se desfolha
ao sopro da geada
e te darei o amor-perfeito
aquele que floresce na campina
a poesia que renasce
e a neve que se esvai em transe
antes que chegue a primavera.

Mariza Alencastro

A casa


É um chalé com alpendre,
forrado de hera.
Na sala,
tem uma gravura de Natal com neve.
Mas afirmo que tem janelas,
claridade de lâmpada atravessando o vidro,
um noivo que ronda a casa
- esta que parece sombria –
e uma noiva lá dentro que sou eu.
É uma casa de esquina, indestrutível.
Moro nela quando lembro,
quando quero acendo o fogo,
as torneiras jorram,
eu fico esperando o noivo, na minha casa aquecida.
Não fica em bairro esta casa
infensa à demolição.
Fica num modo tristonho de certos entardeceres,
quando o que um corpo deseja é outro corpo pra escavar.
Uma idéia de exílio e túnel.

Adélia Prado

domingo, 7 de agosto de 2011

Y tu que has hecho

Y tu que has hecho

En el tronco de un árbol una niña
grabó su nombre enchida de placer
Y el árbol conmovido allá en su seno
A la niña una flor dejó caer.
Yo soy el árbol conmovido y triste
tu eres la niña que mi tronco hirió
yo guardo siempre tu querido nombre
y tú , que has hecho de mi pobre flor?



Euzebio Delfin

Para adornar-te

Tela de Richard Johnson
Para adornar-te, para vestir-te, para fazer-te mais preciosa,
o mar dá as suas pérolas, a terra o seu ouro,
os jardins as suas flores.

Rabindranath Tagore

Deem-me

Deem-me um arco e recriarei a infância,
os tordos sob a neve,
o rio sob as tábuas. 

Deem-me a chuva e a gávea
duma figueira,
a flor dos eucaliptos,
um agapanto de água. 

Albano Martins

Melancolia

Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg interpretam irmãs cujas vidas se distanciam enquanto o universo se desmancha espetacularmente naquilo que Von Trier descreve como um belo filme sobre o fim do mundo.

O mais novo filme, ansiosamente aguardado, do lendário e provocador cineasta, apresenta um elenco estelar, incluindo Kirsten Dunst (Homem Aranha), Charlotte Gainsbourg (Anticristo), Kiefer Sutherland (24 Horas), Charlotte Rampling (Swimming Pool – À Beira da Piscina), John Hurt (Dogville), Alexander Skarsgard (True Blood), Stellan Skarsgard (Dogville) e Udo Kier (Manderley).

O filme tem previsão de estreia no Brasil em agosto de 2011.

.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Peço licença

Tela de Meadow Gist


Agora, se querem, podem ir.
Vivi tanto que um dia
terão de por força me esquecer,
apagando-me do quadro-negro
meu coração foi interminável.

Porém, porque peço silêncio
não creiam que vou morrer
passa comigo o contrário
sucede que vou viver.

Sucede que sou e que sigo.

Não será, pois lá bem dentro
de mim crescerão cereais,
primeiro os grãos que rompem
a terra para ver a luz,
porém a mãe terra é escura
e dentro de mim sou escuro
sou como um poço em cujas águas
a noite deixa suas estrelas
e segue sozinha pelo campo.

Sucede que tanto vivi
que quero viver outro tanto.
Nunca me senti tão sonoro.
nunca tive tantos beijos.
Agora, como sempre, é cedo.
Voa a luz com suas abelhas.
Me deixem só com o dia
Peço licença para nascer.

Pablo Neruda

Canção da Vida

Tela de Konstantin Razumov
A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

Mário Quintana

Noturno

Tela de Ariana Richards

Devagar, devagar... A noite dorme
e é preciso acordar sem sobressalto.
Sob um manto de sombra, denso, informe,
o mar adormeceu a sonhar alto.

Devagar, devagar... O rio dorme
sobre um leito de areias e basalto...
Malhada pela neve a serra enorme
parece um tigre a preparar o salto.

E dorme o vale em flor. Dormem as casas.
Nenhum rumor. Nenhum frémito de asas.
Nada perturba a noite bela e calma.

E dormem os rosais, dormem os cravos...
Dormem abelhas sobre o mel dos favos
e dorme, na minha alma, a tua alma.

Fernanda de castro

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Pré-história


Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.

Murilo Mendes