A emoção é como um pássaro,
quando se prende já não canta

domingo, 31 de julho de 2011

Canção

Tela de Van Gogh

Ó flores do verde pino,
sempre é tempo de esperar!
Mas nós temos a certeza
de que aquilo que esperamos
não se acha em nenhum lugar...


Não tem raízes nem ramos,
não é do céu nem do mar.
Não tem nome - é só destino.
E é toda a nossa estranheza,
sabendo-o tanto , esperar... 

Cecília Meireles

sábado, 30 de julho de 2011

Flores do Inverno

As flores do inverno vão se abrindo
em arbustos sem folhas
candelabros de ramos
que se aquecem
na débil luz que emana das corolas.
Falam em surdina, veladas de aroma,
as pétalas, bailarinas do pudor,
confidenciando nos vórtices secretos
dentro da pálpebra do dia sem calor. 

Dora Ferreira da Silva

Legenda da vida e do sonho

No meu fogão pobre não ardia uma brasa,
do meu teto humilde não pendia uma lâmpada,
nenhuma estampa sorria nas paredes nuas do meu
tugúrio.
Então, eu saí para a noite,
que estava toda iluminada!

Tasso da Silveira

Primavera

Primavera é a estação
em que deitas na relva
e ficas a me perguntar
os nomes das flores.
Eu olho para o céu em
busca de inspiração
e recito todos os nomes
que já ouvi, misturando
flores e passarinhos.
E você sorri encantada
e diz que sou sedutor
como sol de primavera.

Álvaro Bastos

Meu vestido

“Meu vestido é cheio de segredos.
A cada botão que você abre,
Sinto uma rosa desabrochar.”

Rita Apoena

Doçura de Outono

“Meu livro é um jardim na doçura do Outono
E que a sombra amacia
De carinho e de afago
Da luz serena do final do dia;
É um velho jardim dolente e triste
Com um velho local de silêncio e de sono
Já sem a luz de verão que o doire e tisne,
Mas onde ainda existe
O orgulho de um Cisne
E a água triste de um Lago.”

Mário Pederneiras

Varal de Mariana




Num varal de uma sereia
Que se chama Mariana,
Vejo um vestido de renda
Prateada de escama.

No varal de Mariana,
Faz – de – conta aconteceu,
Nos gestos de Mariana
Lençol d'água se estendeu.

Quantas pérolas de espuma
Que se avoam no varal,
Nos olhos de Mariana
Há reflexos de vitral.

A sereia Mariana
Lava sobre o oceano
Meus lenços de velas brancas
De sal molhado num pano...

Sylvia Orthof

Pérola Solta

Tela de Vicente Romero Redondo

Sem que eu a esperasse,
Rolou aquela lágrima
No frio e na aridez da minha face.
Rolou devagarinho...,
Até à minha boca abriu caminho.
Sede! o que eu tenho é sede!
Recolhi-a nos lábios e bebi-a.
Como numa parede
Rejuvenesce a flor que a manhã orvalhou,
Na boca me cantou,
Breve como essa lágrima,
Esta breve elegia.

José Régio

Encantamento

tela de Richard Johnson
Encantamento 


A tarde jogou os seus sete véus luminosos
sobre a montanha,
e ficou toda nua dançando
com sombras de crepúsculo
a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada...
...e ficou toda nua dançando
na campina
ao som da harpa encantada do silêncio...

Tasso da Silveira

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Arco-íris

"Todo dia, a menina corria o quintal, procurando um arco-íris.
todas as cores de dentro. (...)
Foi quando um sonho, tão colorido,
derramou-se dentro dela!
Tingiu o travesseiro e a fronha, o lençol e o pijaminha.
a meia e o quarto.
as casas e os ninhos!
A menina abriu a janela e viu que hoje não tinha arco-íris.
Mas tinha o desenho das nuvens.
Tinha as flores e um passarinho."

Rita Apoena

Sobre sorrisos

"Dentro dela tem nascente de rio que corre pra o mar de sonhos! 
Dentro dela o sol do céu mais bonito e um vasinho de flor pra enfeitar a janela 
da alma dela! 
No cantinho do coração dela tem magia e uma varinha de condão com uma 
estrela na ponta! 
Dentro do sorriso dela, borboletas dançam um bolero e dentro do abraço dela
tem leveza de nuvem quando sorri! 
Amor e luz dentro dela..." 

KARLA THAYSE

terça-feira, 19 de julho de 2011

Primeiro poema de abril

Tela de Ariana Richards
Primeiro Poema de Abril

Vem vindo o abril tão belo em sua barca de ouro!
Um copo de cristal inventa as cores todas do arco-íris.
Eu procuro
As moedinhas de luz perdidas na grama
Dos teus olhos verdes.

Mário Quintana

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Receita de inventar presente

Colher braçadas de flores
Bambus folhas e ventos
E as sete cores do arco-íris
Quando pousam no horizonte
Juntar tudo num instante
E então inventar um pássaro louco
Um novo passo de dança
Uma caixa de poesia.

Roseana Murray


Receita de olhar

Tela de Emmanuel Garant
Nas primeiras horas da manhã
Desamarre o olhar
Deixe que se derrame
Sobre todas as coisas belas
O mundo é sempre novo
E a terra dança e acorda
Em acordes de sol

Faça do seu olhar imensa caravela

Roseana Murray

Receita de engolir o mar

O mar ensina
O equilíbrio-desequilíbrio
Dos barcos
A rota da calma e do vento
O mar ensina horizontes
Vôo e mergulho
O mar ensina tempestade
E silêncio

Roseana Murray

domingo, 17 de julho de 2011

Nem tudo são flores

Na vida nem tudo são flores
mas quando forem
regue-as

KALIL  GIBRAN

Sinto pressa de partir

Por favor, reservem dois lugares num disco voador,
um pra mim, outro pro meu amor que eu tenho sede de céu,
tenho fome de estrelas e uma vontade louca de mastigar violetas
Prefiro partir nas primeiras horas do dia quando as nuvens ainda são suave carícia. 
Levarei comigo uma bagagem tão pequena que ninguém nem mesmo notará:
uma bússola feita de vento e um embrulho de sonhos mais leve que a luz.
Quero encontrar um planeta onde os homens tenham as mãos de tal modo azuis
que ninguém saiba direito se são mesmo homens ou se são anjos ou pássaros
Minha nave descerá suavemente num campo de girassóis
 e os homens acenarão sorrindo sem medo nenhum. 
Quando vejo numa noite escura alguma estrela solitária semeando o céu, 
sinto pressa de partir.


Roseana Murray

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Que dizer

Tela de Vicente Romero Redondo
Para além desta porta não há nada
e esta escada
pára de súbito no ar.
E que dizer da janela
também ela 
que já não dá para o mar?
Nada diremos, nada.
Na memória arruinada
só persiste o apelo:
reter nas mãos o momento,
bebê-lo até ao fim, bebê-lo lento,
no esplêndido ondular do teu cabELO

TORQUATO DA LUZ

Quantas vezes

Tela de Vicente Romero Redondo
Quantas vezes te esperei neste lugar,
quantas vezes pensei que não chegavas,
quantas vezes senti a rebentar
o coração, se ao longe te avistava.

Quantas vezes depois de teres chegado
nos colámos no beijo que tardava,
quantas vezes, trementes e calados,
nos entregámos logo sem palavras.

Quantas vezes te quis e te inventei,
quantas vezes morri e já não sei

TORQUATO DA LUZ

Largueza do azul


Queria escrever
num cantinho do céu,
para que só fosse lida
nos dias sem nuvens,
a história do amor que
é o sol de meus dias.
Usaria a caligrafia
das andorinhas
na largueza do azul
e contaria segredos 
do seu olhar de relva
e risada de água pura,
que corre cristalina.

ÁLVARO BASTOS

Coisas de gato

Histórias de gatos

Gosto de ouvir histórias de gatos. Quanto mais autista o gato, melhor. Autista no sentido de apegado à sua própria concepção de realidade. Gatos que se escondem atrás da cortina, sem ligar se o rabo ficou de fora. Ou que ficam debaixo da cama o dia inteiro, no esconderijo de sempre, que nem é mais esconderijo, uma vez que só falta bater o ponto, de tanto que o lugar faz parte de sua rotina.
Gosto também dos gatos com TOC, transtorno obsessivo compulsivo. Aqueles que só andam na quina das mesas, que fazem seu ninho numa cadeira quebrada ou em cima de um eletrodoméstico sem uso. Gatos que andam diferente, adeptos dos silly walks dos Monty Pythons. De algum modo, eles sabem que estão sendo observados, mesmo que não tenha mais ninguém no mesmo cômodo.
Gatos me lembram de como eu deveria ter sido, se tivesse me concentrado mais em mim, em vez de abrir mão do meu jeito de ser para agradar os outros. Não me entendam mal: a gente deve fazer concessões, sim, se elas forem em benefício de quem a gente ama. Mas não podemos ceder nas pequenas coisas, nas pequenas manias inofensivas que são o nosso jeito de estar no mundo.

ÁLVARO BASTOS

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Se me é negado


Se me é negado o amor, por que, então, amanhece;
por que sussurra o vento do sul entre as folhas recém nascidas?
Se me é negado o amor, por que, então,
A noite entristece com nostálgico silêncio as estrelas?
E por que este desatinado coração continua,
Esperançado e louco, olhando o mar infinito?

Rabidranat Tagore

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Um grande amor


Um grande amor
(Jorge Luiz Vargas)

Acalmava-me seu jeito de orvalho doce, umedecendo você, pétalas em flor. Seus abraços em versos a me embalar, trazia-me a paz que demorou tanto a chegar.
Vivia em mim o sonho e a esperança de guardar-me em seu ser, no coração e na lembrança, momentos doces para reviver.
Sonhava em seu coração nunca morrer, mesmo depois da chuva passar, da tempestade se acalmar e o céu ao azul tornar.
Você foi a lua que minha estrada iluminou. O sol que meu frio aqueceu. A flor que minha vida perfumou. A estrela mais brilhante do meu céu.
Você foi o amor mais puro. Sublime momento de paixão. Foi tudo o que sonhou meu coração. Você foi paz, foi harmonia, foi emoção.
Hoje caminhando e te levando comigo, com as surpresas que a vida me pregou. Sigo sozinho, mas sempre olhando pra frente, movido pelos momentos que foram só da gente.
Agradeço o presente que você foi e ficou. Por tudo aquilo que Deus me permitiu. Por ter vivido um grande sentimento e poder ter na lembrança o que de nós restou: A certeza que vivi um grande amor, que mesmo acabando como acabou, ficou o orgulho de dizer...
Vivi você e te levo aonde eu for.

domingo, 3 de julho de 2011

Casitas brancas

Casitas brancas do Minho
Onde guardam os tesouros,
As fadas d'olhos azuis
E lindos cabelos loiros.
Filtros de beijos em flor,
Corações de namoradas,
Nas casas brancas do Minho
Guardam ciosas as fadas.

FLORBELA ESPANCA

Se fecho os olhos

Quando abro os olhos - estou vivo!
Quando os fecho - sou espírito!

Se respiro aos quatro ventos,
sou barco na corrente.

Se fecho os olhos,
posso ser qualquer coisa:

mandarim, pérola, enseada,
peixe, solidão, criança.

FERNANDO JOSÉ KARL 

Anoitecer


quase hora de anoitecer o mundo,
jogar a noite por cima das casas,
mas ele continuava preso no instante
em que foi capaz de mexer as asas.

RITA APOENA

Sempre de novo

Tela de Daniel F.Gerhartz
Sempre de novo te propões
pássaro
coisa alada
estremecendo folhas.
Tato do coração
no canto ou leve pousar.
Emissário?
No chilreio ou no silêncio
decifro-te
e às coisas que anuncias
além do olhar.

DORA FERREIRA DA SILVA

Tarde de outono


 Foi numa tarde assim. O vento soluçava...
.Agoirando do inverno a lúgubre hospedagem
No céu pálido, branco, há muito não rodava...
Do sol a luminosa e rútila equipagem.

A derradeira flor, no jardim desfolhava
Sua pétalas. Era inóspita a paisagem
Em tudo uma tristeza imorredoira errava
Meu Deus! Que dolorosa e tristonha miragem!

E eu, sonhando, revia em meu dourado sonho,
O meu viver tranqüilo, o meu viver risonho,
Tento junto de mim o teu amor calmo e terno.

Reinava um frio intenso...e tu partiste, envolto.....
Num último sorriso a murmurar "eu volto"
E não voltaste mais! Voltou somente o inverno... 

Yde Schloenbach Blumenschein

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Se não falas


Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.

A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.

Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.





Rabindranath Tagore