A emoção é como um pássaro,
quando se prende já não canta

domingo, 28 de novembro de 2010

Na noite escura

Tela de Johanna Harmon


Na grande noite tristonha,
Meu pensamento parado
Tem quietudes de cegonha
Numa beira de telhado.

- Na grande noite tristonha...

E eu sonho o meu sonho oculto
De ave triste, - que não voa,
Detida a ver o teu vulto
De cetro, manto e coroa...

- E eu sonho o meu sonho oculto...

Cecília Meireles


Madredeus: "A andorinha da primavera"

Outra primavera

Tela de Helene Beland´
.
Mas é certo que a primavera chega.
É certo que a vida não se esquece,
e a terra maternalmente se enfeita
para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim.
Algum dia, talvez,
os homens terão a primavera que desejarem,
no momento que quiserem,
independentes deste ritmo,
desta ordem, deste movimento do céu.
E os pássaros serão outros,
com outros cantos e outros hábitos,
— e os ouvidos que por acaso os ouvirem
não terão nada mais com tudo aquilo que,
outrora se entendeu e amou.

Cecília Meireles

O Espírito

Tela de Hélene Beland
O ESPÌRITO

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:
Andorinha indene ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.


Natália Correia

Há noites




Há noites que são feitas dos meus braços

E um silêncio comum às violetas.

E há sete luas que são sete traços

De sete noites que nunca forarn feitas.


Há noites que levarnos à cintura

Como um cinto de grandes borboletas.

E um risco a sangue na nossa carne escura

Duma espada à bainha dum cometa.


Há noites que nos deixam para trás 

Enrolados no nosso desencanto 

E cisnes brancos que só são iguais 

A mais longínqua onda do seu canto. 


Há noites que nos levam para onde 

O fantasma de nos fica mais perto;

E é sempre a nossa voz que nos responde 

E só o nosso nome estava certo. 


Há noites que são lírios e são feras 

E a nossa exactidão de rosa vil

Reconcilia no frio das esferas

Os astros que se olham de perfil.


Natália Correia


Soneto dos amantes

Tela de John Paul Aird
O Livro dos Amantes

IX

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.

Natália Correia

Ó Comboio

COMBOIO

Aqui (movente ou parada?)
Vou contra a vida que foge
Nos campos que à desfilada
Vão ao invés do que corre.

Que deus me ilude ou me mente?
Porquê na hora fugaz
Eu julgo que vou para a frente
Se tudo avança para trás?

Acaso egressa o tempo
Ao que era antes do mal
Nas árvores que recuam
À floresta inicial?


*
Natalia Correia
Fiz um conto para me embalar

Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.

Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.

Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.

Natália Correia

Creio em anjos


Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Amém.

Natália Correia

Oh dias de hoje

Ó dia de hoje, ó dia de horas claras
Florindo nas ondas, cantando nas florestas,
No teu ar brilham transparentes festas
E o fantasma das maravilhas raras
Visita, uma por uma, as tuas horas
Em que há por vezes súbitas demoras
Plenas como as pausas dum vento.

Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
Bailando na doçura
E na amargura
De serem perfeitas e de serem breves.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Amas-me pelo amor do amor

Tela de Johanna Harmon
Ama-me por amor do amor somente
Não digas: "Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh'alma em comunhão constantemente
Com a sua." Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás de querer por toda a eternidade.

Elizabeth Barrett Browning

Cimo da manhã

.
Sobe até o cimo da manhã.
É lá que deves esperar-me,
grande intervalo de silêncio
musicado e fresco,
até que eu me liberte
do terror das palavras sedentárias
e aprenda, irmão mais novo dos insetos,
a linguagem perfumada das flores.

Albano Martins

Mulher bela e honesta

Vai apanhar uma estrela cadente,
Engravida da raiz de uma mandrágora,
Diz-me onde se encontra o passado,
Ou quem fendeu o pé do diabo,
Ensina-me a ouvir o cântico das sereias,
Ou a afastar o ferrão da inveja
E descobre
O vento
Que serve para melhorar uma mente honesta.

Se nasceste para ver coisas estranhas
Ou coisas invisíveis,
Cavalga dias e noites sem fim
Até que a neve cubra os teus cabelos,
Quando regressares, contar-me-ás
Todas as maravilhas que te aconteceram
E jurar-me-ás
Que em lugar algum
Vive uma mulher bela e honesta.

Se encontrares alguma, diz-me,
Tal peregrinação seria para mim uma doçura;
Mas não, não me digas, eu não iria,
Mesmo que fosse na porta ao lado,
Mesmo que ela fosse real, quando a encontrasses
E por fim me escrevesses a contar,
Enquanto eu lá chegasse,
Ela já teria sido falsa
Para dois ou três...

John Donne

Santo e Senha

Santo e Senha

Deixem passar quem vai na sua estrada.
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada
Deixem, que vai apenas
Beber água de sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.
Vem da terra de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer.
Deixem-no pois passar, agora
Que vai cheio de noite e solidão
Que vai ser uma estrela no chão.

Miguel Torga
In ‘Broma de Dios’


Há casas


Há casas de papel, casas de madeira,
casas de palha e de barro;
casas que trepam pelo céu,
casas que cheiram a jasmim do Cabo;
há casas só para dormir,
parecidas com um sudário

Eugénio de Andrade

Canção do passeio alegre

Tela de John Collier
Canção do Passeio Alegre

No inverno o vento está como deus
em toda a parte: na cabeleira
verde dos cometas, no extenso
e turbulento sono dos rapazes,
nos cegos fundamentos da alegria.
Peço-lhe que tenha piedade,
que seja amável com os que não dormem
debaixo de telha, que sorria a quem
regressa a casa a desoras — a boca
amarga do fermento da tristeza.
À semelhança de deus, o vento
dança indiferente nas areias.

¬Eugénio de Andrade¬ 

Madrigal



Madrigal

Agora
onde te despes
é verão:
tudo acolhe
e afaga
o que o teu corpo tem
de concha molhada.

Eugenio de Andrade

No limiar dos pássaros

Tela de Edward Cucuel
Viver no limiar dos pássaros 
Voar todas as luas 
Sem asas rasar os espaços 
nadar entre as escolhas
cobrir a nudez do corpo
em cada vôo com o lume dos sargaços...
Esta é a asa que nos risca o vôo subliminar dos gestos.


Eugénio de Andrade

Faltas-me tu

foto de kate Winslet
Há coisas impossíveis no mercado
(Queria-te ao meu lado
para lhes medir o lume)
E há murmúrios e perfumes 
e em todos eu me perco, tão sozinho.
Apalpo as sedas, aliso o linho.
Dou cinco rupias por uma romã.
Faltas-me tu – toda a manhã.



José Luís Agualusa 

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Rosas



Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.

Por fim, peneira um resto de oiro da areia do meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego
queimado.

Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma
vez ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto
de ocre na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul autêntico.

Ambas as cores te parecerão semelhantes,
sem que possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz — eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé — e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.

Nuno Júdice

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Vamos viajar?

Tela de Joe Sorren


Vamos viajar?

A gente senta na asa da borboleta,
alcança a ponta do arco-íris,
faz três voltas pelo mundo...
Dá cambalhota com as gaivotas no ar...
ganha um beijinho de vento...
senta no colo da lua...

Eu pego uma estrelinha no céu,
você pega a do mar...

A gente come algodão doce de nuvem...
toma banho de cachoeira da chuva...
descobre os segredos da montanha...

Fala com Deus,
pede saúde e paz pra todo mundo...
pra Ele derramar muito amor aqui na Terra...

E, aí...

Quando a gente voltar...
De tanto sonho e beijinho doce,
não vai dar pra gente se largar...

Vamos?

Angela Mourão

Despedida



Se tiver que ir, vai
O que fica para trás,
não sendo mentira,
não racha,
nem rompe,
não cai.
Ninguém tira.

Já que vai,
segue se depurando pelo trajeto,
para desembarcar passado a limpo,
sem máscara,
sem nada,
sem nenhum desafeto.

Quando chegar,
sobe ao ponto mais alto do lugar,
onde a encosta do mundo
faz a curva mais pendente.
E então acena.

De onde eu estiver, quero enxergar
esse momento em que você vai constatar
que a vida vale grandemente a pena

Flora Figueiredo

Encantos


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Outono

Tela de Charles Curran
 As folhas caem, de muito longe
envelhecidas no céu, em longínquos jardins,
caem: é como um gesto de recusa.

E nas noites a terra pesada cai
fora das estrelas, em plena solidão.

Caímos todos. Cai a mão.
E vemos as outras. Dá-se o mesmo em todas elas.

Entretanto há alguém que sustêm essas quedas,
com infinita doçura, entre suas mãos.

*
Rainer Maria Rilke
in Antologia Poética
Tradução de Antônio Roberto de Paula Leite 


Nova chácara

Tela de Childe Hassam
VELHA CHÁCARA

A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinquenta anos.)
Tantos que morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...

— Mas o menino ainda existe. 

Manuel Bandeira 

Girassol

Tela de Brenda Burke
GIRASSOL

Em minha mão fechada cabe o dia,
o fogo aleatório dos instantes
e o silêncio que espalham os amantes
quando termina a festa e nada resta

da luz petrificada entre as montanhas.
Em minha mão aberta cabe a sombra
largada pela vida que me espera
além do inverno, quando a primavera

devolve ao caule a rosa fenecida
e o que foi volta a ser, e toda perda
retorna como um lucro imerecido.

A minha mão sustenta um girassol.
Sou sobra e o excesso, como o vento
ou como a luz incômoda do sol.


Lêdo Ivo

Anjo-homem

Eu te amo pelo todo azul
dos teus vôos certos-pressentidos
e por teres no peito uma harpa
e uma flauta de doces melodias.

Eu te amo anjo-homem-pássaro
por poderes atravessar o arco-íris
trazendo sob as asas uma estrela
uma lua e um céu em tua boca.


Maria Lúcia Nascimento Capozzi

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Natureza viva



Há trovões arrastando pesados móveis,  enormes 
cômodos pelo céu. Há outros que trabalhar não é
com eles e ficam resmungando, num desvão .Por 
fim atracam-se. As lâmpadas, lá alto, queimam-se 
em sucessivos relâmpagos  .Até que tudo  vasa e
se  extravasa  sobre o desespero dos guarda-chuvas
 em fuga e a verde alegria das árvores. 

Mario Quintana


sábado, 13 de novembro de 2010

Nocturno II



Sol posto... É quase a hora da saudade.
Nasce a noite da própria claridade
que ainda se estende pelos campos fora.
Um sino na distância... É quase a hora
do silêncio, do mar e das estrelas.
Estas nuvens irreais são caravelas
que vão levar-nos para lá da vida.
É esta a hora suave, enternecida,
em que não apetece falar alto.
Na sua voz profunda de contralto
reúne o mar as vozes de mil almas.
Vamos sonhar... Há nestas horas calmas
tantos sonhos errantes, que é pecado
abandonar p que nos passa ao lado.
Nada perturba o sono dos jardins.
Enlaçam-se as glicínias e os jasmins
na paz noturna, idílica, das flores.
Tomam a mesma cor todas as cores,
bate o luar em todos os caminhos,
dormem perto do céu, todos os ninhos.
Em passos de ladrão que se acautela,
a noite desce, azul e misteriosa.
Fechou-se agora a última janela.
Adormeceu a derradeira rosa.



Fernanda de Castro

Redondilha de amor

Tela de Guilherme faria

Um grande amor não cabe em nenhum verso, 
Como a vida não cabe num jardim,
Como não cabe deus no universo
Nem o meu coração dentro de mim. 

A noite é mais pequena que o luar,
E é mais vasto o perfume do que a flor...
É a onda mais vasta do que o mar...
Não cabe em nenhum verso um grande amor. 

A voz do coração não quer mordaça.
Todo o amor obedece ao mesmo rito...
Amar é ter no peito o inferno e a graça,
Um pouco de miséria e de infinito.

Dizer em verso aquilo que se pensa?
-ideia de poeta, ideia louca!
Não é bastante a frase mais extensa,
Diz mais o beijo do que diz a boca... 

Ninguém deve contar o seu segredo...
Versos de amor, só se os fizer assim:
Como os pássaros cantam no arvoredo,
Como as flores se beijam no jardim... 

Redondilha de amor... para fazê-la,
Desse-me Deus a tinta do luar,
A candeia suspensa duma estrela
E o tinteiro vastíssimo do mar...


Fernanda de Castro

Nocturno

Tela de Danielle Gerad

Devagar, devagar... A noite dorme
e é preciso acordar sem sobressalto.
Sob um manto de sombra, denso, informe,
o mar adormeceu a sonhar alto.

Devagar, devagar... O rio dorme
sobre um leito de areias e basalto...
Malhada pela neve a serra enorme
parece um tigre a preparar o salto.

E dorme o vale em flor. Dormem as casas.
Nenhum rumor. Nenhum frémito de asas.
Nada perturba a noite bela e calma.

E dormem os rosais, dormem os cravos...
Dormem abelhas sobre o mel dos favos
e dorme, na minha alma, a tua alma.


Fernanda de Castro

Que bela manhã de primavera

Ah, que bela manhã de Primavera!
Abram ao sol as portas, as janelas!
Cheira a café com leite, a sabonete,
a goivos, a sol novo, a vida nova!

A Rua canta!... sinos e pregões,
apitos e buzinas, vozes claras.
--"Gostas de mim?" -- "Gosto de ti" -- e o céu
cobre a Cidade com seu manto azul.

Ah, que bela manhã de Primavera!


Fernanda de Castro


Fim de outono


Fim de outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia...

Tudo seco pelas hortas,
Grandes lágrimas no chão
Nem uma flor pelos montes,
Tudo numa quietação
Soluça numa oração
O triste cantar das fontes.

Fim de outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia...

A terra fechou as portas
Aos beijos do sol ardente,
E agora está na agonia...
Valha à terra agonizante
A Santa Virgem Maria!

Fim de Outono... Folhas mortas...
Sol doente... Nostalgia...

Fernanda de Castro

O testamento dos namorados

Tela de Maxwell Armfield
Escolhamos as coisas mais inúteis 
o verde água o rumor das frutas 
e partamos como quem sai 
ao domingo naturalmente. 

Deixemos entretanto o sinal 
de ter existido carnalmente: 
da tua força um castiçal 
da minha fragilidade um pente. 

Esse hieróglifo essa lousa 
deixemos para que uma criança 
a encontre como quem ousa 
um novo passo de dança. 

Natália Correia 

O livro dos amantes III



O Livro dos Amantes
III 

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.

Natália Correia

Creio nos anjos


Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen. 


Natália Correia 


Asa no espaço


Asa no Espaço



Asa no espaço, vai, pensamento!
Na noite azul, minha alma, flutua!
Quero voar nos braços do vento,
quero vogar nos braços da Lua!


Vai, minha alma, branco veleiro,
vai sem destino, a bússola tonta...
Por oceanos de nevoeiro
corre o impossível, de ponta a ponta.


Quebra a gaiola, pássaro louco!
Não mais fronteiras, foge de mim,
que a terra é curta, que o mar é pouco,
que tudo é perto, princípio e fim.


Castelos fluidos, jardins de espuma,
ilhas de gelo, névoas, cristais,
palácios de ondas, terras de bruma,
... Asa, mais alto, mais alto, mais!

Fernanda de Castro 

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

The yellow bicycle


The yellow bicycle

When I was a child, I had a yellow bicycle
it wasn't yellow from birth,
my father painted it.
He said:
" to match for your gladness"
because evrything that were beautiful,
were yellow,
the canary, the cashew, the mango
the day light!!!!
the gold, the sun, the wind ...
I don't know what happened
to my yellow bicycle...


Mariza Alencastro
Tradução de Lenise Marques

A bolsa de Juliana



Juliana tem uma bolsa de prata
sem fundo
cabe tudo na bolsa de Juliana
caracóis, cogumelos, violetas,
raios de luar
asas de borboleta
e plumas de passarinho
que ela encontra pelo caminho
Na bolsa de prata de Juliana
há dois corações de anjo
e três suspiros de fada.

£una

♥ઇ‍ઉ♥ઇ‍ઉ♥ઇ‍ઉ♥ઇ‍ઉ♥ઇ‍ઉ♥ઇ‍ઉ♥ઇ‍ઉ

Onde ?



Onde estão os meus sorrisos?
_na gaveta do criado mudo.
E minhas alegrias onde estão?
_enroladas num lencinho
no bolso do sobretudo.
Ahhhh....quero paz, onde está minha paz?
_no vaso de lírios sobre a mesa.
Me dê então o amor,onde o amor?
_ainda há pouco estava aqui,
ardendo como uma vela acesa...

£una


Brevidade da vida

Tela de Edward Cucuel

hão de passar por mim todos os sonhos
os desejos, lembranças... os espelhos partidos
poentes esquecidos atrás dos pessegueiros
o cheiro do orvalho , o estalar da relva, o mormaço
os beijos perdidos
háo de passar os sinos das aldeias
nos dias de verão, nas tardes invernais
o frio há de passar, a juventude, a chuva ,a solidão
e tudo que já foi...não será mais...

£UNA
Nos verões da minha infância
todas as tardes cheiravam
a flor de laranjeira....

£una

Paz no coração

Tela de Daniel Frank Gerhartz

dei de beber às lindas borboletas
chá de jasmim, água de cheiro
ficou uma algazarra no jardim
e até os passarinhos
vieram a mim
dei-lhes também um pouco de afeição
grãozinhos dourados
e folhas de alecrim.
Está tudo em paz no meu coração.

£una


Infância II

Tela de Daniel Frank Gerhartz

Infância
era quando a gente tinha medo do escuro
e abria a janela pra entrar o luar
mas debaixo da cama ninguém se atrevia 
pois ali um monstro dormia
então a gente ficava quietinha
e esperava o dia raiar
a escuridão se dissipar
pra dormir até meio dia!!!


£UNA

Saudade

Tela de Daniel Frank Gerhartz
saudades não morrem, envelhecem
no peito
nas gavetas
nos baus... nas estantes...
as dores passam, as saudades ficam
no fundo da gente
em algum cantinho escondido
exalando aquele cheiro de musgo verde.

£una

Os telhados





Vejo os telhados onde jogávamos
migalhas de pão para os passarinhos,
escondidos para não assustá-los, até que eles viessem,
mas não vinham nunca...

Era difícil seduzir os que têm asas,
já sabíamos.

Caio .F Abreu

Poço de mel

" Meu coração é um poço de mel,
no centro de um jardim encantado,
alimentando beija-flores que,
depois de prová-lo, transformam-se
magicamente em cavalos brancos
alados que voam para longe,
em direção à estrela Veja.
Levam junto quem me ama,
me levam junto também.
Faquir involuntário, cascata de champanha,
púrpura rosa do Cairo, sapato de
sola furada, verso de Mário Quintana,
vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro,
papel crepom, cão uivando pra lua, ruína,
simulacro, varinha de incenso."

♥Caio F. Abreu 

Vai passar...


“Vai passar, tu sabes que vai passar.
Talvez não amanhã, mas dentro de
uma semana, um mês ou dois, quem
sabe? O verão está aí, haverá sol
quase todos os dias, e sempre resta
essa coisa chamada "impulso vital".
Pois esse impulso às vezes cruel,
porque permite que a dor insista
por muito tempo, te empurrará
quem sabe para o sol, para o mar,
para uma nova estrada qualquer e,
de repente, no meio de uma frase
ou de um movimento te surpreenderás
pensando algo assim como "estou
contente outra vez”.


Caio Fernando Abreu 

Fragmento

Eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, 
dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, 
sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas 
que geralmente ficam caladas, 
porque nunca se sabe nem como serão ditas 
nem como serão ouvidas, compreende? 


Caio Fernando Abreu