Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de oiro da areia do meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego
queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma
vez ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto
de ocre na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes,
sem que possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz — eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé — e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice
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