A emoção é como um pássaro,
quando se prende já não canta

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Para Ághata

Agora que tenho uma neta, já sei quem vai ver as flores cor de rosa das paineiras quando eu já não estiver por aqui. E quem vai reparar nos pares de flores roxas e brancas das quaresmeiras. Talvez alguém diga à Ágatha que o avô dela amava esse tipo de coisa intensamente. Talvez ela ria quando alguém disser que seu avô gostava da algaravia das maritacas, que cortam o céu azul  em busca de não sei o quê. E que gostava do chilreado dos pardais nos beirais das casas.
Se tiver um bico doce, Ágatha vai se deliciar com as frutas, todas as frutas, que seu avô saboreava com avidez, herança de um tempo em que elas eram o beijo roubado da meninice. Se eu ainda estiver por aqui, vou sugerir que ela comece pela melancia e que continue com a doçura absoluta da fruta do conde.
Minha neta vai descobrir suas próprias leituras e músicas, mas desconfio que ela vai gostar das histórias de mares distantes, planetas de harmonia e anjos que perdoam qualquer peraltice. Mais tarde, espero que ela descubra que é bem melhor sair de casa quando se leva na mochila um pouco de poesia. Aos poucos, ela vai fazer o roteiro de seus passeios favoritos na cidade de seus sonhos, aproveitar a companhia da lua e das estrelas e se sentir segura ao saber que o sol, que cobriu de dourado a maior parte da vida do seu avô, vai voltar e que é bom estar por aqui para receber seu calor e brilho.
ALVARO BASTOS

terça-feira, 21 de junho de 2011

Declaração de bens


Tenho graxas em meu coração
e begônias e quanto mais.
Tenho casas brancas e casebres
ou vetustas coloniais.

Tenho o susto dos pássaros
e o sono dos séculos
e um amor que nasce da água
e da manhã em paz.

Tenho armários embutidos cheios de sonhos
e canções que esperam nos portais.
Tenho contos de fadas não contados.
Tenho cômodos vazios, que cabem mais.


José Irmo Gonring

Fragmento

Mandei pregar as estrelas
Para velarem teu sono.
Teus suspiros são barquinhos
Que me levam para longe...
Me perdi no céu azul
E tu, dormindo, sorrias.
Despetalei uma estrela
Para ver se me querias...
Aonde irão os barquinhos?
Com quem será que tu sonhas!

MARIO QUINTANA

Gatos

tela de Aldemir Martins
Os gatos são para se beber
Com o olhar
Bem devagar
De um jeito oblíquo felino
Quando os gatos andam
Fazem hiatos de veludo
Na fazenda azul do ar

Os gatos são para se tocar
Bem de leve
Que se esgarçam de preguiça
Carícia
Em susurros de luar

Os gatos têm alma
De silêncio tafetá

ROSEANA MURRAY

Crianças e adultos

Quando os adultos conversam entre si,
quase sempre falam de números.
Se falam de uma casa dizem:
"Quatrocentos milhões, senhores!"
E logo a imaginam à sua frente.
Se a gente fala de um amigo às crianças,
elas perguntam: "Coleciona borboletas?
Sabe assobiar?"
Se a gente fala de uma casa,
perguntam que cor tem,
se há flores nas janelas
ou ninhos de passarinhos no telhado.
Os adultos não entendem nada.
Não há nada a fazer com eles.
Só se interessam pelo dinheiro.
As crianças têm de ter muita paciência com os adultos!


PHIL BOSNANS

segunda-feira, 20 de junho de 2011

domingo, 19 de junho de 2011

Eu te escolhi

Janet Hill
Eu te escolhi.
Outros me olhavam, 
outros pareciam talvez
até um pouco mais interessantes, 
mas eu escolhi você.
Que esquisito, 
eu já havia escolhido outros outras vezes.
Dessa vez tudo foi diferente, 
dessa vez não era tão simples assim, 
dessa vez havia um diferencial tão complexo: 
você me escolheu também. 

MARIA CLARA MACHADO

casa sem paredes

Tela de Janet Hill
Mente é casa que não
tem paredes, mas nos 
acostumamos a viver 
como se tivesse.
E, não é raro, passamos 
temporadas no 
cômodo mais apertado.

ANA JÁCOMO

Kalil Gibran

O Jardim e o Barco Azul

Tenho um jardim em meu peito azul
feito de gnomos, flores do campo
pássaros e borboletas, florais e folhas.

Aprendi com os pássaros a cantar e 
com as borboletas a voar pelos ares
da arte da liberdade que voa longe.

Dentro de mim há um jardim de luz
miro o céu e de lá vôo bem alto e volto
para pousar dentro de um mar de corais.

Dentro do teu coração estão as marcas
das pegadas de meus pés andantes
de meus olhos desnudos, e até errantes
como minha alma que é como um barco
que não quer portos, chaves, nem portas
mas só os sonhos de navegar adiante.

Dentro de nós há um jardim e um barco
há um horizonte e um mar sem limites
onde deixei as chaves da minha alma
onde mora um barco que aprendeu a voar.


Poética da Alma azul,
Ana Deva's Garjan
... 

Quem não precisa?

"Quem é que não precisa seu moço de:

Um par de meias listradas.
Dois ou três cata-ventos.
Uma palavra inventada.
Sonhar e ser criança
a cada instante em que a vida diz:
vai e se pinte de esperança."

RITA APOENA

quinta-feira, 16 de junho de 2011

No tempo da vó

Era moça de família, criada no interior.
Namoro, só na sala junto com o caçulinha.
O pai queria jantares com toda a familia
Para conhecer a índole do namorado.
Dez horas era o limite da volta ao cinema
Sem tempo para um sorvete na praça.
Um beijo roubado, durava segundos
E a mão boba tocando o seio de raspão
Vibrava no corpo como bomba relógio
Prestes a explodir de emoção.
Eram tantos cafèzinhos e suspiros fundos
Que o jeito era casar ou desistir de vez
Desanimados por tanta proibição.


No fim,tudo deu certo e tocaram a vida
Até que a morte os separasse.
Nunca soube se foram felizes de verdade.
Ela nunca falava sobre isso...
Segredos do coração.


-Helena Frontini-

terça-feira, 14 de junho de 2011

No Campo



aproveita os nós desatados
o silêncio das águas perdidas
as fendas nas montanhas
aproveita as violetas entrecortadas
de desejo
os sinos soltos pela chuva
como sonhos desencantados
aproveita as caravelas invisíveis
assombrando as noites
os pios das corujas solitárias
aproveita os caminhos recém-abertos
por cogumelos escarlates
aproveita as rendas dos luares
de agosto
os rostos pontuando as sombras
aproveita os cavalos engravidando a terra
aproveita o peso escuro da terra
e tece teu poema

-Roseana Murray-

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Janela secreta

A vida sempre foi boa comigo.
Quando soube que o meu coração
estava carregado de sombras,
e que ele só se alimentava de luz,
abriu uma janela no meu peito
para que por ela possam entrar
o resplendor do orvalho,
o fulgor das estrelas
e o invisível arco-íris do amor.

Thiago de Mello 

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Frutos


Pêssegos, pêras, laranjas,
Morangos, cerejas, figos,
Maçãs, melão, melancia,
Ó música de meus sentidos,
Deixai-me agora falar
Do fruto que me fascina,
Pelo sabor, pela cor,
Pelo aroma das sílabas:
Tangerina, tangerina.


Eugénio de Andrade 

Madrigal


Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor.

II

Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor ´tudo teu;
mas quando cessa o teu canto
o silêncio é todo meu.

Eugénio de Andrade

O sorriso

Creio que foi o sorriso, 
sorriso foi quem abriu a porta. 
Era um sorriso com muita luz 
lá dentro, apetecia 
entrar nele, tirar a roupa, ficar 
nu dentro daquele sorriso. 
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


Eugénio de Andrade

O sorriso

Creio que foi o sorriso, 
sorriso foi quem abriu a porta. 
Era um sorriso com muita luz 
lá dentro, apetecia 
entrar nele, tirar a roupa, ficar 
nu dentro daquele sorriso. 
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


Eugénio de Andrade

As mãos e os frutos


Passamos pelas coisas sem as ver, 
gastos, como animais envelhecidos: 
se alguém chama por nós não respondemos, 
se alguém nos pede amor não estremecemos, 
como frutos de sombra sem sabor, 
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

EUGÉNIO DE ANDRADE

Por aí

Tela de Steve Hanks
Andar descalça na areia
pisando estrelas do mar
colher flores na campina
de onde vejo a lua cheia
navegando pelo ar...

Recompor as minhas asas
como gaivota perdida
num ninho de andorinha
que em plena brisa marinha
perdeu o dom de voar...

Andar descalça na areia
na tarde branda e serena
catando conchas do mar...


£UNA

Quando pensei

Tela de Alan Banks
Quando pensei que estava tudo cumprido,
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais riso e mais pranto.

Quando calculei que tudo estava pago,
anunciaram-se novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.

Quando achei que estava serena,
os caminhos se espalmaram
como dedos de espanto

em cortinas aflitas. E eu espio,
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena.

Lya Luft

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Pedras e diamantes

Tem o importante que sabe que é comum
Tem o comum que se acha importante
Tem o diamante que sabe que é pedra
Tem a pedra que se acha diamante
Enquanto isso, o tempo passa levando
...Comuns, importantes, pedras e diamantes.

Ricardo Azevedo