Tela de Helene Beland
Lia nas aulas, com o livro aberto em cima dos joelhos e com tal descaramento que a minha impunidade só parecia possível devido à cumplicidade dos professores. A única coisa que não consegui com as minhas astúcias bem rimadas foi que me perdoassem a missa diária às sete da manhã. Além de escrever as minhas tolices, era solista no coro, desenhava caricaturas cômicas, recitava poemas nas sessões solenes e tantas coisas mais foras de horas e de lugar que ninguém entendia a que horas estudava. A razão era a mais simples: não estudava.No meio de tanto dinamismo supérfluo, ainda não entendo porque razão os professores se interessavam tanto por mim sem barafustar com a minha má ortografia. Ao contrário da minha mãe, que escondia do meu pai algumas das minhas cartas para o manter vivo e outras, mas devolvia corrigidas e às vezes com os parabéns por certos progressos gramaticais e o bom uso das palavras. Mas ao fim de dois anos não houve melhorias à vista. Hoje o meu problema continua a ser o mesmo: nunca consegui entender porque se admitem letras mudas ou duas letras diferentes com o mesmo som e tantas outras normas sem razão.
Foi assim que descobri em mim uma vocação que me havia de acompanhar toda a vida: o prazer de conversar com alunos mais velhos do que eu. Ainda hoje, em reuniões de jovens que poderiam ser meus netos, tenho que fazer um esforço para não me sentir mais novo do que eles."
Gabriel García Márquez - Viver Para Contá-la.
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